Espaço reservado às minha lembranças, minhas mentiras e minhas verdades momentâneas.

Críticas, sugestões e novas idéias serão sempre bem vindas.



segunda-feira, 18 de março de 2013

Conservatório Popular



A transformação de si, só pode ser realizada quanto temos o prazer de nos encontrarmos com nós mesmo.
A proposta desse encontro criativo também se fundamenta nas reflexões corriqueiras dos grandes pensadores do cotidiano.
Cartola, instrumentista, interprete e compositor brasileiro, autor de pérolas como O mundo é um moninho, As rosas não falam e Alvorada no morro, em sua interpretação da canção Preciso me encontrar de autoria de Candeia, outro grande pensador do mundo dos homens, vai nos dizer que é necessário partirmos ao encontro de nós mesmos, partirmos ao encontro do sorriso, do choro, do nascimento e da morte, ou seja, devemos partir ao encontro da vida, para enfim retornarmos a um convívio benéfico e criativo com aqueles nos aguardam no tablado humano. E com esse encontro baseado na sinceridade, baseado num olhar crítico-reflexivo é que temos a oportunidade de nos despirmos de nossas fantasias, que impreterivelmente utilizamos na tentativa de nos mantermos ligados à normalidade imposta pelos ditadores dogmáticos. É através desse encontro libertador e criativo que poderemos confrontar nossos medos, nossos preconceitos e nossos juízos enganosos, para aí sim termos o prazer em conhecer.
Com esse olhar antagônico, avesso ao olhar racional-científico ditado como único capaz de apreender e significar a realidade é que temos a chance de voltarmos à vida. Vivos no sentido de encararmos nossos hábitos, nossos costumes como algo não apenas estático e despretensioso, mas também como aquilo que possuí movimento e capacidade de criação, transformação e recriação das condutas prescritas pela autoridade. Um movimento que nos leva a debruçarmos nosso olhar sobre o mundo, porém, agora sem a inocência motivada pelo desconhecimento de nós mesmo. É esse novo olhar conhecedor de si que vai proporcionar uma nova apreensão da realidade e da pluralidade do conceito de verdade.
Nietzsche em sua faze anti-metafísica (1882-1999), onde a proposta era a criação de novos valores contrários aos valores do homem ocidental da época, visto por ele como homem de rebanho, ou seja, um homem fútil que vivia alheio as suas vontades, que não pensava por si e era dependente das massas para ser conduzido, vai mais uma vez nos auxiliar na comunhão entre o pensamento racional-científico e as culturas populares. Com sua vontade de poder Nietzsche nos ensina a querermos mais vida na vida, ou seja, a vida vivida em sua plenitude. Essa vida plena se dá a partir do conhecimento de si, a partir do mergulho interior. É construída no eterno retorno do mesmo, o retorno da criação, mas não o retorno das mesmas criações que fracassaram com o tempo, e sim uma visão de mundo com vontade de potência, com a aceitação do presente como ele é na sua inteireza, com a aceitação de que o hoje é o que temos e com a reafirmação da vida com suas falhas e contradições, porém sabedores que podemos novamente significá-la a partir de uma nova postura.
     Indo ao encontro da tese Nietzscheana de que o hoje é o que temos, nos deparamos com Paulinho da Viola e a sua interpretação da sugestiva canção Meu mundo é hoje do compositor Wilson Batista (1913-1968), boêmio convicto e por isso grande observador, contemplador dos nuances pertencentes à vida comum. A música nos alerta para a necessidade de vivermos o hoje sem nos preocuparmos com críticas e convenções, vivermos sem nos iludirmos com posições de destaque ou falsas promessas, vivermos sem a hipocrisia de mentirmos para nós mesmo na tentativa de parecermos com aquilo que na realidade não somos, que no fundo sabemos que não somos, mas por comodismo ou medo de enfrentar o espelho acabamos ignorando a tentativa do auto-engano.
Novamente a proposta é vivermos o hoje conscientes das imperfeições do cotidiano, sem o peso da não aceitação de que somos passíveis de erros, mas sim, dispostos a encarar o mundo real na experiência de recriá-lo a partir de valores recriados.

Luis Zacarias

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Novo Ciclo



A definição pura e simples de um ciclo é a seqüência de fenômenos que se renovam periodicamente, fenômenos que se sucedem numa ordem determinada, porém, mesmo que determinado ou desejado, nem sempre sabemos quando se finda um ciclo e se inicia outro, somos muitas vezes pegos de surpresa e quando damos conta já estamos vivendo um novo período em nossas vidas, quando menos esperamos os novos desafios nos são apresentados objetivando crescimento, aprendizado e amadurecimento.
 Talvez este seja um privilégio dos fortes, dos determinados e justos, daqueles que com perspicácia e sutileza guiam os demais pela estrada da vida.
Então não temos escolhas, mesmo com frio na barriga, inseguros e assustados temos que seguir em frente sem nos limitarmos ao ilusório comodismo, devemos seguir a diante em busca de uma nova motivação, de novos ares, novas provações e quem sabe novas amizades.
Somos levados a seguir para que continuemos fazendo a diferença, para que permaneça sendo imprescindível a nossa presença. Continuar é preciso, dar prosseguimento é necessário para que continuemos vivos.
 No entanto, lá no fundo, onde moram os verdadeiros sentimentos teremos guardada a certeza que fizemos a nossa parte e que seremos sempre lembrados. Fecha-se um ciclo de convivência diária e inicia-se outro de amizade, carinho e respeito que seguirá por toda a vida.

                                                                                                                      Luis Zacarias

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Coisas da Vida



            Um idoso e um velho caminhavam, trocavam idéias e cada um a seu modo falava das coisas da vida. O idoso estampava no rosto um sorriso maroto, um prazer gratuito de estar ali, andando pelas ruas, vendo e sentindo o que o dia tinha para oferecer, enquanto o velho seguia sisudo, fechado, acabrunhado, pensativo e distante do que ocorria ao seu redor.
            Na pressa de chegar logo ao destino, por vezes o velho tentava apertar o passo, mas contrariado olhava para trás como se cobrasse que o idoso fosse mais ligeiro. Suspirava e não entendia o olhar infantil lançado pelo idoso que beirava o deboche. O idoso não, esse seguia passo após passo, vez ou outra até parava e segurava no braço do velho para terminar uma frase, recuperar o fôlego ou sair da sombra que encobria o sol.
 Assim seguiam... O velho falava e o idoso escutava, engolia as palavras dando a vez para o velho que necessitava dizer suas verdades, contar seus feitos, suas frustrações e todas as injustiças vividas ao longo da vida. O idoso como bom ouvinte, fazia silêncio, olhava para cima e completava dizendo que a vida é assim, mas pode mudar com o passar dos anos, dizia que nada é definitivo e que o tempo é um santo remédio.
O velho retrucava, não aceitava a idéia de conformismo e resignação passada pelo idoso, do alto de toda sua experiência procurava culpados, transferia responsabilidades e se julgava uma vitima ora disso, ora daquilo. O idoso a essa altura tentava inutilmente dar exemplos de como as coisas terminam, falava dos “pedaços” que ele passou pela vida e de todos os finais que foram se escrevendo normalmente com o desenrolar dos acontecimentos. Insistia em dizer que no momento derradeiro tudo iria se ajeitar, que as respostas costumam aparecer na hora certa e que tudo serve de aprendizado, mas o velho já sem nenhuma paciência interrompia o idoso com sua ladainha melancólica, queria respostas, soluções imediatas, alegava não ter tempo para esperar, se dizia cansado e pronto para desistir das cosias da vida.
   O idoso mais uma vez pegou o velho pelo braço e com compaixão pediu para que ele ficasse sossegado, tivesse calma e serenidade com as coisas da vida. Falou das poucas oportunidades que encontrou durante os anos, porém mesmo assim foi em frente, não desistiu, pelo contrário, disse que ainda menino, correu sozinho por aí sem saber no que daria. Lembrou da época em que se casou e foi narrando com a voz carregada e picotada por pigarros os maus bocados que viveu. Tempos difíceis, mal podia garantir o almoço e o jantar, mas o peito sim, alimentado de esperança. Continuou com a mesma voz tremula dizendo o quanto batalhou, perdeu, venceu, sorriu e chorou, mas mesmo assim não abriu mão de viver, mesmo com dificuldades ofertou dignidade e amor, ofereceu conforto e educação, e concluiu emocionado contando que hoje mesmo cansado, doente, viúvo e sozinho ainda sentia prazer em viver e que o único lamento, o que fazia pena era pensar no pouco tempo que lhe restava.
Agora quem parou foi o velho ficando imóvel por alguns instantes, com o coração apertado mediu o idoso de cima abaixo, mas não teve respostas, calou-se e seguiu em frente.
Depois de mais alguns passos em silêncio, pronto, chegaram. Nas costas do idoso ao lado do portão uma placa indicava o destino. Casa de repouso final feliz era o que estava escrito. O portão foi aberto e o idoso com o mesmo sorriso maroto acenou para o velho e entrou. O velho que ainda estava calado tentou dizer de forma segura que se não tivesse nada para fazer na próxima semana, que voltaria para buscar o idoso novamente, porém as palavras saíram fracas, desconexas, quase um murmúrio, o que se ouviu mesmo foi um... Tchau pai!
O idoso parou, olhou para trás ainda sorrindo e novamente acenou desejando com toda força que o velho tivesse um bom dia. 

Luis Zacarias

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Manhã Lilás

Todos os dias gasto aproximadamente uma hora e meia no trajeto que faço entre minha casa e a escola aonde trabalho, tento aproveitar o percurso para por em dia o sono acumulado graças às poucas horas mal dormidas. O meu dia se comprime, confrange para caber em vinte e quatro horas, não que eu tenha muitas atividades, mas por ser lento e um tanto quanto preguiçoso sempre sobra algo para depois e quando vejo as horas já se foram, cotidianamente o tempo escapa ao meu controle.

O intento traçado todas as manhãs é boicotado pelo insistente sacolejo do ônibus, acelerações seguidas de freadas bruscas fazem com que minha siesta "matinal" seja picotada, no muito consigo uns dez minutos seguidos de cochilo, porém, hoje foi diferente, logo cedo o sol deu as caras batendo forte no acento onde eu estava. Era uma manhã de outono e não por acaso dia 30 de maio, dia especial, entre tantos nascimentos essa data também é lembrada pelo dia de condenação e posteriormente de canonização do símbolo feminino Joana D´arc. A mesma igreja que a queimou em 1431 tornou-a santa em 1920, mas essa é uma outra história...

Voltando ao ônibus, com tanta claridade ficou ainda mais difícil por meu plano em prática, então com os olhos cerrados mirei na paisagem e segui viagem. O cenário é multicolorido apresenta postes vendendo milagres, vendendo companhia, propagandas políticas espalhadas pelo chão, luminosos chamando a atenção para o valor do desconto ou uma nova promoção. As fachadas gastas, corroídas tornaram-se telas para alguns pretensos artistas do spray, lousa de manifestação ou mesmo muro de lamentações.

Permaneci por algum tempo absorvido em pensamentos recortados, fragmentados e imprecisos. Entre uma esquina e outra tudo parecia igual e foi essa monotonia do panorama externo que me fez voltar os olhos para o interior do ônibus. Lentamente fui dando conta da realidade que me cercava, faltavam vinte minutos para as oito da manhã e eu estava rodeado de mulheres, ou melhor, eu era o único homem dentro coletivo. Uma mulher conduzia a direção sendo auxiliada por outra, ao meu lado e em todos os outros acentos mulheres de todas as idades seguiam viagem.

Eram magras ou nem tanto, algumas poucas com cabelos grisalhos, mas a maior parte exibia alguma cor nas madeixas. Alguns cabelos crespos ou encaracolados destoavam da maioria que eram lisos ou “progressivamente” lisos. Cada uma trazia em si uma singularidade, um toque pessoal... Uma echarpe, uma pulseira, um brinco ou um anel davam mostras da vaidade e da disputa interna de ser única, de ser vista. As unhas eram show a parte... Francesas, compridas, postiças, felinas cintilavam cores vivas e mesmo as curtas estavam banhadas por esmaltes que traziam delicadeza à ponta dos dedos.

Calças justas de diversos tecidos expunham sinuosas curvas, davam firmeza e aparente liberdade para os movimentos do dia que estava apenas começando. As saias que pelo horário mediam à altura dos joelhos deixavam à mostra rígidas panturrilhas. Pés calçados por sandálias de vários saltos apresentavam-se belos, bem cuidados, alinhados com a delicadeza das mãos, porém outros escondidos por botas, tênis ou sapados buscavam harmonia com o resto do figurino que incluía decotes ou botões estrategicamente descasados que enquanto faziam um convite à imaginação, acendiam um incontrolável impulso de fincar os olhos e se passar por ridículo.

Perfumes florais, frutais, cítricos e levemente adocicados misturavam-se criando uma nova fragrância, um novo aroma que deixava no ar um clima excitante, embriagador e nesta atmosfera inebriante acabei relembrando um sonho de noites passadas. No sonho eu vaga pelas ruínas de um teatro grego quando de repente... “essas coisas que só acontecem em sonhos” Aparece entre as colunas Jônicas uma bela ninfa, branca como o véu da virgem noiva, com cabelos claros e riscados pelo sol, vestia uma túnica transparente, trazia alegria no sorriso e malicia no olhar, caminhava em minha direção e a cada passo revelava detalhes do corpo, o balanço dos quadris era como pêndulo em movimentos circulares que me levaram a hipnose, estático esperei pelo encontro...

Novamente uma freada brusca me vez voltar à realidade. Então, passei a conceituar, racionalizar o fenômeno que se apresentava na vã tentativa masculina de encontrar respostas para tudo. Fui aos poucos traçando uma relação com as minhas experiências e entendi que cruzei pelo tempo sem perceber o obvio, o que me causava espanto esteve há todo momento presente em minha vida, desde o meu nascimento o universo feminino esteve presente em uma quantidade infinitamente superior. Com elas aprendi, cresci e sobrevivi e por elas estou aqui.

Com essa descoberta mesmo que tardia lembrei que no meu local de trabalho somos apenas dois homens em meio a mais de trinta mulheres, ou seja, o funcionamento independe da presença masculina, a vida segue sem que o sexo “forte” seja necessário, ou melhor, é apenas contingente em algumas situações. Por ser limitado tanto nos meus conhecimentos, como nas minhas conclusões, mais uma vez aprendo com elas. Esta viagem, fez-me perceber que os limites da espécie tem sua extensão na mulher, ou seja, o que transcende na condição humana, aquilo que excede os limites da existência é a geração de um novo ser singular e independente e essa geração, criação ou recriação de um novo ser, de um novo mundo só é possível naquela que da a luz pelo ventre.

Eu sei que é gasto, comum, trivial afirmar que o mundo é das mulheres, mas como homem limitado que sou não me sobram adjetivos para fugir do banal. Reconheço e reverencio a soberania feminina e agradeço pela generosidade de nos fazerem coadjuvantes. Sigo viagem com mais essa lição...

Nós homens somos limitados, restritos e vivemos ávidos por atenção, caminhamos aprisionados pela sombra da insegurança e por vezes fingimos uma pretensa superioridade na tentativa de mascarar nossos medos e a nossa enorme vontade de voltarmos para os braços protetores de nossas mães.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

ASFALTO MOLHADO

Eu, Du e Malrite no rolê descendo a rua, para variar sem grana, na laríca e com as idéias a milhão, muitos planos, vários sonhos, mas o que vem mesmo é a chuva, chega devagar, refrescante vem amenizar os pensamentos fervilhantes, porém o pé que era de lã no pisar macio do malandro torna-se pé de gelo. A chuva molhava o asfalto e meu sapato era furado...

sábado, 20 de junho de 2009

Vírus Vital

Já não posso deixar de viver, contraí o vírus capital, fui infectado pelo agente constituinte da vida. E sendo assim, entregar os pontos é atestar uma estupidez que não mais me pertence. No combate que travei contra a angústia, mesmo ferido sobrevivi, e foi no caminho que refiz de volta do campo de batalhas que descobri que sou meu pior inimigo. Agora não dá mais para fingir, ainda que eu ambicione, não posso mais tapear a mim mesmo, o espelho me cobra na alma a cada embuste auto-aplicado. Vou à diante, e graças ao saudável delírio de olhar pelo avesso que aprendi que desvelar é restaurar a verdade, é se esquivar das miragens movediças, é fincar os pés bem firmes no solo real que por ora anda encoberto pelo faz de conta. A loucura me ensinou e me conduz à liberdade, e sendo livre compreendo que o melhor é deixar cair as mascaras, abrir os olhos para ver que é no habitual que a ignorância se resguarda, faz ninho no aconchego de não contrariar, seguindo o fluxo, adestrada, sem ao menos duvidar. Hoje, sei que pouco ou quase nada é o que tenho de juízo. Conheço minhas verdades até que o novo se apresente, e é através das novidades que os meus velhos mitos se desfazem, esfarelam-se dando lugar às novas alegorias que passo a defender. E nessa longa alameda que percorro em busca de respostas vou de encontro à algumas portas, desconheço o que verei quando forem abertas, nem mesmo tenho certeza se trago comigo as chaves necessárias para escancará-las, mas se acaso não tê-las, sem vacilo e sem medo enfiarei os pés no intuito de arrombá-las. E com as portas abertas, sem entraves que bloqueiem o vento, sem cortinas que ofusquem a luz, espero ansiosamente que estejam do outro lado, porém, se esse não for o desfecho, sigo deixando-as abertas para quem sabe lá na frente tenhamos um novo reencontro.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Genaro Responde...

Por Valéria Genaro
Pois é meu amigo, cá estamos “discutindo” um assunto praticamente já sem discussão... Penso eu, o que fazer diante de uma realidade imutável? Pra que perder tempo enumerando e exaltando os malefícios do neoliberalismo? Ele não está aí, aqui e até mesmo onde achamos que nunca iria chegar? Pois bem, c’est la vie... As coisas são como são... E o que nos resta? Continuar difamando algo que não é mais contingente, ou, olhar o lado positivo e aí sim debruçarmos nossas forças e energias pra tirar o melhor proveito de, como tudo na vida, tem dois lados? Não credito os males mundiais: fome, desigualdade social, etc, etc, etc somente ao neoliberalismo. Antes e acima de tudo creio na má vontade, na indiferença dos que detém o poder, seja ele político, econômico, religioso. Esse tipo de negligencia humana existe e sempre existiu em toda e qualquer forma econômica. Então não é a política econômica e sim o egoísmo, a omissão, a crueldade e perversidade típica do ser humano a responsável por esse abismo entre os que muito tem e os que nada tem. Está certo que o capitalismo tem na sua essência a multiplicação das diferenças, mas será que se existisse uma dose de boa vontade em todos nós ela teria tamanha força destruidora? Prefiro acreditar que está em nós, em cada um a possibilidade e capacidade de transformar pra melhor nossa realidade.

sábado, 13 de junho de 2009

Resposta à Genaro

Seguindo os padrões formais impostos pelo “conhecimento” acadêmico, tomo a liberdade de escrever-lhe em resposta as questões por nós discutidas em sala de aula. É cara amiga, realmente essa discussão acerca de neoliberalismo, capitalismo, imperialismo americano ou de onde quer que seja encontra-se vencida, com o prazo de validade superado. Esquecemos que somos nós, ocidentais racionais, que implantamos esse “sistema” contraditório e injusto, somos nós que do alto de toda nossa intelectualidade, produzimos ou devoramos produtos produzidos pelos mecanismo neoliberais. Esse gênio mau, imaterial e inatingível foi organizado por essa fina flor do conhecimento humano, e esse “demônio” é visto como único responsável pelos estorvos sociais. Os mesmos adoradores dos “brinquedinhos” tecnológicos e principalmente do conforto oferecido pela abertura das fontes de consumo, são os que fazem uso de um discursos contrario à esses avanços. Sou oriundo e pertencente de uma realidade com extremos conflitos e com uma gritante desigualdade, no entanto, mesmo vindo dos confins da hierarquia social, não posso, seja por complexo ou capricho, simplesmente negar a existência dos progressos originados pelo sistema atual, embora, ainda hoje haja aqueles que incrivelmente morrem de fome, os avanços das tecnologias, das comunicações, dos transportes e da medicina, são de suma importância para todas as camadas da sociedade, e foi esse “monstro” imaginário que concebeu os alicerces para tais evoluções. Concordo com você quando diz que existe ou pode existir bons aspectos nas disposições presentes, porém, não podemos esquecer que essa nata intelectual que “pensa” por nós, é a constitutiva de respeitadas opiniões, além de contribuir na formação da mão de obra e das estruturas que vão de encontro às necessidades neoliberais. Até por isso, o discursos mantido necessita ser “politicamente correto”, avermelham-se, mesmo que contraditoriamente, na expectativa de serem absolvidos pelas suas próprias consciências...

Mulher de Coragem


Desde criança corro atrás de aprender, mas para sobreviver a vida teimou em me amadurecer. Trabalhei na roça sem poder pegar em um livro, sem ter dinheiro minha boneca era de milho. Com sete anos fui para casa de família, não era minha, lá eu só fazia faxina. Trabalhei desde pequena enfeitando outros lares e com dezessete anos imigrei para outros ares. Sai do Nordeste, vim para o Sudeste, enfrentei o preconceito, era mais um cabra da peste. Vim em busca de novidade, de oportunidade, mas no princípio só encontrei desigualdade. Mas sou guerreira, sou valente, tenho o sangue do sertão, não desisti, acreditei e como se fosse um sonho bom encontrei meu companheiro, essas coisas que na vida não se entende por inteiro. Um homem só, sem ninguém, que parecia me esperar para juntos conquistar, a paz, a família, um lar e principalmente tudo aquilo que o dinheiro não pode comprar. Passamos dificuldades como toda gente humilde, Nos privamos, superamos e quanto lembro minha vida parece um filme. Hoje temos filhos, temos paz e temos um lar, estou com cinqüenta anos e voltei à estudar. Descobri um mundo novo, aprender ler e escrever, e percebi que não se pode ser feliz sem o saber, conhecimento ninguém nos tira, vai acumulando, acumulando até o fim da vida.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

A primeira descoberta...


... precisei confrontar meus temores, revirar os meus defeitos, varrer as imagens empoeiradas, amareladas pelo desuso, gastas e corroídas pelo tempo para enxergar que vivi anos na escuridão e no desamor, não fazia idéia que um certo sentimento teria a força de transformar toda uma vida. Meus dias eram sem sabor, insossos, cinzas. Eu ficava na espera que algo de fantástico acontecesse, olhando ao longe sem saber ao certo o que procurava, era assim que o tempo se arrastava. Um dia após o outro, mesmo inconsciente eu renovava as esperanças, eu acreditava que um milagre pudesse acontecer, salvando-me da inércia, do anonimato, da transparência que não me deixava ser visto. Foi em uma dessas tardes sem gosto que vi a luz pela primeira vez. Tantas lembranças... O vento lambia seu corpo, dava movimento aos seus cabelos, seus passos largos e imperativos chamaram minha atenção, a partir de então, tornei-me súdito daquela que o tempo fez minha rainha. As tardes grisalhas ganharam cor, um colorido especial, e eu devoto que sou, esperava ansioso por um fleche de luz. Escondido eu aplaudia a luminosidade que passava rápida, mesmo veloz deixava um rastro que me servia de alimento. Com o passar do tempo, já não era novidade o meu anseio por vê-la, mesmo com toda timidez deixei escapar para o universo essa ebulição... Um dia fui desvendado, empurrado para fora da obscuridade, sofri, senti o gelo esfriando-me por dentro. Como alguém apenas transparente ousaria desejá-la? Porém, contraditoriamente foi aí que começaram as mudanças, deixei de ter medo, deixei de aceitar ou concordar por conveniências, tornei-me guerreiro, comecei a construir um castelo onde mais tarde seria seu abrigo. O tempo foi realizando transformações, fui moldando meu mundo para ser merecedor de tamanha graça. Confesso que conspirei junto ao universo, usei todas as minhas forças para chamar a atenção. Depois foi só questão de tempo... Um olhar, uma palavra, um número, um cheiro, uma oração, um pedido, uma lágrima, um sorriso, um grito, um gemido, a saliva selando a intimidade. Seu corpo carnoso, contornos redondos de encaixe perfeito, um convite à loucura. Em cada encontro faíscas, combustões geravam o fogo que talhava e esculpia minha escultura predileta, e com loucura e calor, eu que era transparente descobri o que é o amor...

Teatro da Vida


Vida, tablado das almas, palco do improviso e do
acidente. Vida, que ao ser concebida, ao abrir das cortinas,
ganha-se de presente um calhamaço de folhas em branco,
alvas, que passam a ser impressas a cada segundo com atos e falas,
cada qual com seu autor sendo o tempo espectador.
Todas as vidas co-dirigidas pelo acaso, pelo livre arbítrio,
tendo no ato final bem ou mal um roteiro escrito.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

O Melhor de Nós Mesmos

Hoje tive um sonho, mas não foi um sonho daqueles que ficam desordenados, repletos de frações discordantes, sem fazer sentido, que somem da lembrança quando a rotina se inicia. Esse foi diferente, não sei por que se fez presente no momento em que abri os olhos, como se o sonho não fosse um sonho, como se mesmo dormindo estivesse acordado. Quem sabe alguém mandando um recado? Uma conversa, um pedido, talvez um amigo rogando a volta do melhor de mim mesmo.
Percebi que minha busca frenética, desconexa e vazia levou-me ao nada, sem saber ao certo o que buscava tornei-me apenas mais um. Caminhava entorpecido pelos sonhos de consumo, desvairado por devaneios que não me pertenciam, era somente coadjuvante no inconsciente coletivo, abdiquei do indivíduo e fui abarcado pela indiferença, pela ignorância, pelo egoísmo, só enxergava o mundo que refletia no vazio da minha alma. Eu pisava, julgava e com preconceitos condenava, matava e morria, era cúmplice na guerra das vaidades, na pressa de querer sempre mais atropelava os dias, passava por cima das sutilezas sem ao menos ouvir o grito da criança, que aprisionada em meu corpo, só queria reviver. Tive medo, fechei os olhos, busquei um pretexto para explicar o abismo que fez noite os meus sonhos de menino.
Não encontrei desculpas, então chorei, as lágrimas queimavam por onde passavam, deixavam marcas e escancaravam as culpas, mas também surpreendentes traziam alívio, como que por intervenção divina expurgava meus demônios. Fui aos poucos relembrando o menino esquecido em mim, lembrei do tempo em que nas asas da borboleta levantava vôo. Perplexo com as cores, com a leveza, com a dança harmoniosa no cortejo da flor pretendida. Nesse tempo encantava-me a mágica do universo, a metamorfose se dava ali, sem imposições, o que antes era casulo, no momento seguinte mostrava-se leve, flutuante, multicolorida como a pincelada do artista que da vida ao quadro branco.
Na inocência moravam meus melhores sonhos, era lá que compartilhava, ouvia, possuía sinceridade e justiça, nos castelos de areia trabalhava a paciência, nos jogos e cirandas repartia e misturava meu melhor com o melhor de cada um. As pipas no céu rasgando o vento rabiscavam as nuvens com suas cores e formas, mantinham acesas minhas aspirações e fantasias. Do alto era mais fácil ver o quanto é simples ser afortunado, na minha inocência eu amava e era amado, não o amor que enclausura, impõem e limita, mas sim o amor que não é descrito por palavras, o amor que é sentido, vivido, que liberta, transforma e impulsiona, o amor que é dado a cada um de nós no momento em que recebemos nosso mais precioso presente: a vida. Vida que nos é concedida sem cobranças, sem regras para existir, com a consciência ponderando nossos atos e o livre arbítrio nos permitindo continuarmos sempre com nossos sonhos de menino e assim vivermos o melhor de nós mesmo.

Vida Fértil

Nesta noite algo surpreendente aconteceu, eu que já andava flertado com algumas formas desconhecidas, formas cheias de sedução e magia, fui pego de surpresa, não sei como aconteceu, não sei se foi de bruços, de lado ou de frente, só sei que fui invadido arrebatadoramente, fui levado às alturas, fiquei com as pernas bambas, o corpo molhado, a pele quente e a paz que somente o gozo trás para o peito.
Fui penetrado na parte mais íntima desse corpo gasto pelos vícios e pela preguiça, dava para sentir cada centímetro sendo introduzido, o que era uma fresta foi aos poucos se escancarando, o caminho era aberto consecutivamente sem pedir licença, sem lubrificante, firme, sólido e permanente. Não ofereci resistência, preza fácil fiquei à espera do clímax.
Ejaculações seguidas e contínuas inundaram meus pensamentos, lavando, purificando, expurgando todas as teias empoeiradas, fazendo cair as máscaras que me serviam de abrigo, cômodo esconderijo para o anonimato, com esse banho de fertilidade a ingenuidade se foi, os olhos se abriram e percebi que estava grávido. A vida com sua abundância e malícia, foi aos poucos, num jogo de sedução preparando o caminho para plantar em mim sua semente. Ainda deitado sentia a boca seca, a respiração ofegante denunciava o encontro que à poucos instantes mudara tudo aqui dentro. O peito marcando forte o compasso, batimentos firmes e cadenciados ditavam o ritmo dos meus dias dali por diante. Nada de pressa para cumprir os horários que não foram estipulados por mim, não devo mais correr com os olhos fechados, ignorando minhas vontades, seguindo as convenções que até hoje não me levaram aonde preciso chegar. Vou correr sim, mas na velocidade necessária para alcançar os meus sonhos, meus delírios e minha paz. Atrás do tempo perdido já não posso ir, escorreu pelos dedos enquanto acreditava na mentira que mantinha meus pensamentos no cárcere, privados de luz, de novas idéias, privado da inspiração essencial que impulsiona meus passos. Mentira traiçoeira, com ela fiquei anos desacreditando de mim mesmo, fingia ser o que no fundo sabia que não era, comum, normal, feliz, era assim que eu tentava me enquadrar, oprimia a loucura que por vezes tentava me salvar, para manter a imagem de normalidade, do exemplo, do correto, eu simulava ser um daqueles que andam sempre na linha, caminhando sob os trilhos conformado esperando ser atropelado pela locomotiva. . .
A noite se foi, o dia nasce sem sol, ouvia apenas o barulho da chuva, o vento cantando agudo nas janelas, trovões aos berros davam o toque de alvorada, despertador natural que me fez levantar, em pé descobri que não estava só, sou meu melhor companheiro, cúmplice e protetor. Sem rituais vesti minha armadura, com uma das mãos peguei meu escudo e com a outra minha lança, já sei onde devo mirá-la, mas por estratégia prefiro não contar. Sabia que ao cruzar a porta não teria mais volta, então respirei fundo e segui em frente, fiz a mais difícil das escolhas, escolhi seguir sendo eu mesmo, renascido, grávido e sem medo do escuro...
...dar brilho as idéias, arejá-las, cultivar vontades, desejos são “bobagens” que vão contra o funcionamento do dia-a-dia, atravancam o desempenho do homem-máquina programado para produzir, consumir e ser “feliz”. Pensar, sentir, experimentar não é visto com bons olhos, não temos tempo para saborear, apenas engolimos enquanto somos tragados. Sabendo disso estou preparado para perder seguidores, parceiros, até alguns amores irão me julgar promiscuo, irresponsável e infantil, porém, para proteger, manter vivo e crescente esse embrião que habita meu corpo, lutarei com todas as forças, não medirei esforços para permanecer sendo o que nunca deveria ter deixado de ser, serei integralmente eu, sem deixar de olhar ao lado na tentativa de compartilhar as descobertas, sem perder a fermentação do encontro, sem deixar enfraquecer o sêmen vital, alastrando a semente criadora de vida. Para não perder mais tempo, até que as asas dos meus pés estejam firmes e seguras nesse renascimento, pego emprestado de Aquiles seus pés velozes, para com eles num vôo rasante partir sem freio, livre e sem olhar para trás. Estou fecundo, mas não serei mãe, não serei pai, serei apenas colaborador das mutações. Estou longe da maturidade necessária para seguir sem erros, talvez nunca irei encontrá-la, talvez ela nem exista, mas hoje me permito sentir o prazer de abrir a boca e dar fuga às palavras, juntar infinitamente as letras colando uma na outra, dando sentido ou brincando de inventar, me concedo o privilegio de lançar tinta em folhas brancas, compartilhando imagens ao som das melodias naturais, harmonias que dão ritmo e balanço aos dias, aos passos de uma nova jornada sigo com a certeza de que renasço dando a luz.