Memórias & Mentiras
Espaço reservado às minha lembranças, minhas mentiras e minhas verdades momentâneas.
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segunda-feira, 4 de junho de 2012
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quinta-feira, 30 de junho de 2011
Manhã Lilás
O intento traçado todas as manhãs é boicotado pelo insistente sacolejo do ônibus, acelerações seguidas de freadas bruscas fazem com que minha siesta "matinal" seja picotada, no muito consigo uns dez minutos seguidos de cochilo, porém, hoje foi diferente, logo cedo o sol deu as caras batendo forte no acento onde eu estava. Era uma manhã de outono e não por acaso dia 30 de maio, dia especial, entre tantos nascimentos essa data também é lembrada pelo dia de condenação e posteriormente de canonização do símbolo feminino Joana D´arc. A mesma igreja que a queimou em 1431 tornou-a santa em 1920, mas essa é uma outra história...
Voltando ao ônibus, com tanta claridade ficou ainda mais difícil por meu plano em prática, então com os olhos cerrados mirei na paisagem e segui viagem. O cenário é multicolorido apresenta postes vendendo milagres, vendendo companhia, propagandas políticas espalhadas pelo chão, luminosos chamando a atenção para o valor do desconto ou uma nova promoção. As fachadas gastas, corroídas tornaram-se telas para alguns pretensos artistas do spray, lousa de manifestação ou mesmo muro de lamentações.
Permaneci por algum tempo absorvido em pensamentos recortados, fragmentados e imprecisos. Entre uma esquina e outra tudo parecia igual e foi essa monotonia do panorama externo que me fez voltar os olhos para o interior do ônibus. Lentamente fui dando conta da realidade que me cercava, faltavam vinte minutos para as oito da manhã e eu estava rodeado de mulheres, ou melhor, eu era o único homem dentro coletivo. Uma mulher conduzia a direção sendo auxiliada por outra, ao meu lado e em todos os outros acentos mulheres de todas as idades seguiam viagem.
Eram magras ou nem tanto, algumas poucas com cabelos grisalhos, mas a maior parte exibia alguma cor nas madeixas. Alguns cabelos crespos ou encaracolados destoavam da maioria que eram lisos ou “progressivamente” lisos. Cada uma trazia em si uma singularidade, um toque pessoal... Uma echarpe, uma pulseira, um brinco ou um anel davam mostras da vaidade e da disputa interna de ser única, de ser vista. As unhas eram show a parte... Francesas, compridas, postiças, felinas cintilavam cores vivas e mesmo as curtas estavam banhadas por esmaltes que traziam delicadeza à ponta dos dedos.
Calças justas de diversos tecidos expunham sinuosas curvas, davam firmeza e aparente liberdade para os movimentos do dia que estava apenas começando. As saias que pelo horário mediam à altura dos joelhos deixavam à mostra rígidas panturrilhas. Pés calçados por sandálias de vários saltos apresentavam-se belos, bem cuidados, alinhados com a delicadeza das mãos, porém outros escondidos por botas, tênis ou sapados buscavam harmonia com o resto do figurino que incluía decotes ou botões estrategicamente descasados que enquanto faziam um convite à imaginação, acendiam um incontrolável impulso de fincar os olhos e se passar por ridículo.
Perfumes florais, frutais, cítricos e levemente adocicados misturavam-se criando uma nova fragrância, um novo aroma que deixava no ar um clima excitante, embriagador e nesta atmosfera inebriante acabei relembrando um sonho de noites passadas. No sonho eu vaga pelas ruínas de um teatro grego quando de repente... “essas coisas que só acontecem em sonhos” Aparece entre as colunas Jônicas uma bela ninfa, branca como o véu da virgem noiva, com cabelos claros e riscados pelo sol, vestia uma túnica transparente, trazia alegria no sorriso e malicia no olhar, caminhava em minha direção e a cada passo revelava detalhes do corpo, o balanço dos quadris era como pêndulo em movimentos circulares que me levaram a hipnose, estático esperei pelo encontro...
Novamente uma freada brusca me vez voltar à realidade. Então, passei a conceituar, racionalizar o fenômeno que se apresentava na vã tentativa masculina de encontrar respostas para tudo. Fui aos poucos traçando uma relação com as minhas experiências e entendi que cruzei pelo tempo sem perceber o obvio, o que me causava espanto esteve há todo momento presente em minha vida, desde o meu nascimento o universo feminino esteve presente em uma quantidade infinitamente superior. Com elas aprendi, cresci e sobrevivi e por elas estou aqui.
Com essa descoberta mesmo que tardia lembrei que no meu local de trabalho somos apenas dois homens em meio a mais de trinta mulheres, ou seja, o funcionamento independe da presença masculina, a vida segue sem que o sexo “forte” seja necessário, ou melhor, é apenas contingente em algumas situações. Por ser limitado tanto nos meus conhecimentos, como nas minhas conclusões, mais uma vez aprendo com elas. Esta viagem, fez-me perceber que os limites da espécie tem sua extensão na mulher, ou seja, o que transcende na condição humana, aquilo que excede os limites da existência é a geração de um novo ser singular e independente e essa geração, criação ou recriação de um novo ser, de um novo mundo só é possível naquela que da a luz pelo ventre.
Eu sei que é gasto, comum, trivial afirmar que o mundo é das mulheres, mas como homem limitado que sou não me sobram adjetivos para fugir do banal. Reconheço e reverencio a soberania feminina e agradeço pela generosidade de nos fazerem coadjuvantes. Sigo viagem com mais essa lição...
Nós homens somos limitados, restritos e vivemos ávidos por atenção, caminhamos aprisionados pela sombra da insegurança e por vezes fingimos uma pretensa superioridade na tentativa de mascarar nossos medos e a nossa enorme vontade de voltarmos para os braços protetores de nossas mães.